domingo, 6 de maio de 2012

World Nutrition Rio2012: desafios

Iniciando os trabalhos com a plenária de abertura "Desafios do século 21 para a Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva", os palestrantes eram convidados a fazer breves observações sobre o tema, de forma a nos fazer refletir sobre quais aspectos deviam ser observados nos próximos dias de eventos.
Eu nunca vi isso acontecer, um evento ter começo, meio e fim. Na maioria das vezes, eles só tem um conteúdo agregado, e só.
Abordando de forma bem resumida as inserções dos palestrantes, e recorrendo às minhas anotações, vou tentar expressar mais ou menos o que foi discutido. A princípio, já peço desculpas se por um acaso a minha interpretação foi distorcida, espero que isso não ocorra.

Marion Nestle é um exemplo do que quero ser quando crescer. Uma pessoa de fala decidida e cheia de propriedade e, mais do que isso, uma pessoa que leva o ouvinte pra frente, com um discurso encorajador. Foi uma honra conhecê-la através deste congresso.
Ela destacou a relação dicotômica que há entre desnutrição e obesidade no panorama mundial, e o quanto isso está relacionado, em termos de intervenção, ao confrontamento do ambiente, com vista a fortalecer a educação dos indivíduos. Ou seja, oferecer aos cidadãos do mundo um ambiente que propicie e facilite a tomada de decisões e escolhas mais saudáveis. Porém, é importante que o nutricionista, sendo o profissional mais interessado nesta transformação ambiental, tenha em mente que este processo envolve o enfrentamento de forças políticas e empresariais que levam diretamente à disputa de poder. O modelo alimentar vigente no planeta atualmente beneficia muitos bolsos. Tem muita gente ganhando dinheiro com as doenças da nossa população, e elas não estão dispostas a perder esta galinha dos ovos de ouro.
Para saber mais do trabalho da Marion, você pode acessar o twitter dela (@Marionnestle) e também o seu site, clicando aqui.

Reggie Annan traz uma contribuição muito importante para o debate. Representando uma das universidades de Gana, ele traz a vivência de um realidade na qual os desafios são muito mais profundos. Na verdade, a África acaba sendo o depósito de todo o desequilíbrio desse sistema alimentar, onde ainda persistem problemas graves, tais como a relação da desnutrição com a infecção pelo HIV, o que leva a um desfecho muito mais desfavorável da doença. Questões ambientais, econômicas, ambientais, culturais, relações de poder... Enfim.
Há muitas políticas desenvolvidas em nível macro, e muitas propostas feitas ao nível das agências relacionadas às Nações Unidas, porém Reggie destacou a ausência de implementação de políticas locais nos vários países da África. A observação das peculiaridades locais, como todos sabemos, é fundamental para fazer qualquer ideia virar realidade.
A nutrição também não é vista como ciência, na mesma extensão que outras áreas como a medicina, e deste modo não é vista como importância. logo, a prioridade para políticas de alimentação e nutrição fica sempre em segundo plano. Por falar nisso, indico um texto incrível que fala sobre a febre de suplementação de vitamina A em países pobres. A artificialização da alimentos e a mera medicalização dos problemas nutricionais é discutida com propriedade neste artigo intitulado The Great Vitamin A fiasco, de Michael Latham.
Os programas de alimentação e nutrição desenvolvidos na África geralmente são levados a cabo com financiamento externo, que dá uma vulnerabilidade muito grande aos mesmos. Acaba o financiamento, acaba o projeto. Logo, são projetos não sustentáveis. Segundo Reggie, portanto, é importante fortalecer o financiamento interno dos projetos desenvolvidos. Algo complicado se a nutrição não é vista com importância, e se os financiamentos externos sempre dizem respeito a um interesse econômico que está obscuro na ajuda de um determinado órgão público ou privado. Voltando a Vitamina A, não há evidências que comprovem que a suplementação em grande escala alcance redução na morbimortalidade de crianças com menos de 5 anos. No entanto, há evidências de que há investimentos pesados de órgãos públicos de países desenvolvidos e de que uma empresa farmacêutica ganha bilhões de dólares com isso.

Philip James já virou ídolo! Uma das participações mais presentes e expressivas de todo o congresso, com toda a certeza! Abaixo um vídeo dele:



Philip salientou na plenária de abertura, dentre outros temas, a importância da abordagem integrada dos problemas nutricionais, tendo como base a agenda única de nutrição.
A mudança no setor alimentar é mais que necessária, em especial na regulação do marketing, e o que ele citou como neuromarketing, informando que o cérebro mantém-se em formação até os 25 anos. Logo, durante 25 anos somos bombardeados por propagandas que nos implantam diversos pensamentos do que é melhor pra nós. Não há nem para mensurar o perigo envolvido nas consequências dessa dominação consumista.
Além disso, as mudanças climáticas provocam mudanças diretas nos sistemas alimentares, e isto só induz ao um aumento das desigualdades sociais entre os povos.

Renato Maluf é economista, professor da UFRRJ, que se colocou justamente neste papel de ser um palestrante fora da área da saúde, para agregar a sua visão aos problemas nutricionais. Também gostei muito de todas as suas colocações ao longo das palestras em que ele estava participando.
Segundo Renato, a crise alimentar se insere no contexto de uma crise sistêmica envolvendo a atividade econômica, o impacto ambiental e as reservas energéticas. Vivemos hoje uma homogeneização de hábitos, em contraposição à diversidade alimentar. Com ela, perde-se em biodiversidade como um todo.
Como os determinantes de um sistema alimentar são os mais diversos possíveis, atingindo os diversos setores de atuação dos governos, é necessário que qualquer intervenção que busque a segurança alimentar e nutricional, baseada no direito humano à alimentação adequada, seja baseada em ações que busquem a intersetorialidade. Esse é um grande desafio, pois os interesses são os mais diferenciados, dependendo do órgão que está envolvido nesta ou naquela política. Associa-se a isso a ausência ca pital humano preparado para levar este tipo de negociação para a frente. vemos que o nutricionista não sai capacitado para este tipo de diálogo, é um profissional que não se pergunta qual o caminho percorrido pela comida que seus usuários compram no supermercado. Não questionam o modelo econômico como fatos impeditivo do alcance da utópica (opinião minha) da Segurança Alimentar e Nutricional.
Outro desafio é a desigualdade na renda, reconhecida por Maluf como o principal desafio para as políticas de alimentação e nutrição no mundo.
O reconhecimento do sistema alimentar local como o melhor caminho para a conquista de uma economia e abastecimento sustentáveis esbarra no poder político implicado neste processo, associado ao controle das influências externas, em especial das grandes transnacionais, que tem passe livre para entrada nos países em desenvolvimento.

Como visto, a plenária de abertura deu aos ouvintes diversas possibilidades de como aplicar suas reflexões durante os simpósios, debates e plenárias propostas. No próximo post, falo sobre as organizações de interesse público interferindo nas políticas governamentais, com a adorável Patti Rundall, de quem também virei fã! No post, vocês vão entender o porquê!

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