sábado, 5 de abril de 2014

Rodésia

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A falta de organização do tempo não me permitiu continuar a postar periodicamente, mas hoje aconteceu algo que senti a necessidade de compartilhar.

Dentro de um renomado evento de terapia nutricional, estava em uma discussão de caso clínico, que tratava de um CA de esôfago, e em um dado momento a discussão se concentrou na via de administração de dieta no pós operatório imediato: via oral, uma sonda posicionada na cirurgia ou um acesso mais fixo, uma jeunostomia?

A maioria defendeu a sonda, por conta da dificuldade de técnica na realização de jejunostomia (e não sejamos ingênuos, uma sonda enteral custa 20 reais, uma jejuno custa quanto???). No entanto, a primeira coisa que acontece com os pacientes é... a retirada da sonda. Eles se sentem sufocados, deliram, tem pesadelos de noite... e arrancam o nosso tão estimado acesso para não deixá-los sem comer.

Até que um médico dá a solução fantástica para a sonda não sair: costurar a sonda no nariz do paciente.
Segundo ele, era justamente pelo perfil de delirium e agitação que os pacientes podem fazer, o que dificultaria a retirada da sonda.

Eu pensei: "ótimo, o paciente morre de fome, sente-se invadido de todas as formas possíveis, corre o risco de sair passando nas anastomoses e de quebra arranca um pedaço do nariz!!!"

Quando se vai pensar menos em custos, riscos relativos, p valores... e mais em humanização, dignidade, respeito?

A realidade da saúde pública brasileira é cruel. Vivencio o seu caos há dois anos, e não consigo entender como as pessoas podem pensar em condutas tão retrógradas para "resolver o seu problema". Pensava que o problema era o bem do paciente. Pensei que a equipe de um hospital está voltada para isso, para devolver o mínimo de dignidade e saúde para os seres humanos.

Estes são os seres que trabalham no seu automático, e não percebem com quem estão lidando, com que vidas estão jogando.

Vemos todos os dias pacientes morrendo por falta de comida e de tratamento. A fome não acabou, e sinto informar, ela não está só na África. Ela está aqui, bem do nosso lado.

Na década de 50, soldados morriam de ataques cardíacos após retornarem de guerras. Isso acontecia porque eles não se alimentavam por meses, e quando voltaram a comer, desenvolviam a síndrome hoje conhecida como síndrome de realimentação.

Mais de 60 anos depois, temos observado a Síndrome em muitos dos nossos pacientes. É fome do homem que passa 5 meses tomando mingau em casa, pois tem uma tumor de esôfago e não consegue ser atendido em um serviço de saúde.

Para os que se inspiram com o Médico sem Fronteiras e outras belas iniciativas de auxiliar populações em situações dramáticas, sugiro dar uma passadinha antes no Souza Aguiar ou no Getúlio Vargas... É bem parecido.

Tudo isso me lembrou uma música do Tim que eu adoro...

http://www.youtube.com/watch?v=Ck5g_S-G-YI

"Em Guiné Bissau não está legal, muito menos na Rodésia..."

Aqui no Brasil também não. É só olhar ao redor com atenção e você perceberá.


sábado, 26 de janeiro de 2013

Eu li: publicações da Nutrição da UFRJ

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Estou tendo que ler alguns livros para um processo seletivo, e duas das publicações dessa bibliografia serão comentadas aqui.


Avaliação Nutricional do Paciente Hospitalizado: Uma Abordagem Teórico-Prática é um bom livro. Explicita pontos importantes da avaliação nutricional, e lê-lo me proporcionou uma boa revisão daquela matéria que cursei no longínquo quinto período. Apresenta um encarte colorido que mostra algumas técnicas da avaliação nutricional, além de aspectos do exame físico.
Bom, aí tenho que comentar que tanto a avaliação nutricional quanto o exame físico só podem ser realmente aprendidos na prática. Infelizmente, este é o calcanhar de Aquiles da Nutrição. Não praticamos estes conhecimentos. Vamos para a prática clínica num mini estágio durante algumas semanas e só. Isso é insuficiente, se observarmos que a Medicina e a Enfermagem estão presentes nos seus locais de inserção desde os primeiros períodos. É lógico que esta inserção na prática clínica na Nutrição é muito mais complicada, por conta da multiplicidade de áreas de atuação que temos, diferente das referidas carreiras.
A avaliação antropométrica é bem descrita, mas fico pensando se estes livros que se propõem a falar de paciente hospitalizado estão mesmo pensando na realidade dos pacientes hospitalizados. Os autores (não só deste livro) se esquecem da viabilidade de algumas dessas técnicas em pacientes idosos, acamados e, primordialmente, pacientes críticos. Ora, pode-se fazer dobras cutâneas em pacientes em cuidados intensivos, mas será que este dado poderá ser realmente considerado, visto que um ponto primordial da técnica está sendo pulado (o paciente deve ficar de pé)? Tenho muitas reservas e dúvidas com relação à avaliação nutricional nestes pacientes multicomplicados, e nenhum autor conseguiu ainda expor algum elemento que pudesse me auxiliar nesta questão.
O melhor capítulo é "Exames laboratoriais empregados na avaliação nutricional", uma discussão dos principais exames usados para avaliar estado nutricional dos macronutrientes e micronutrientes, bem como hemograma, eletrólitos, função hepática e renal, estado imunológico e equilíbrio ácido-básico.


O livro "Dietoterapia: Uma abordagem prática" traz, em dez capítulos, algumas enfermidades em que a terapia nutricional pode ser terapia adjuvante para o tratamento do paciente. Dentro de cada capítulo, são colocados casos clínicos em que se exploram as várias formas de manifestação das doenças, e suas implicações na nutrição do paciente. Considera o exame físico e avaliação antropométrica e bioquímica do paciente, determinando a conduta nutricional estabelecida em cada caso.
Agora sim, vamos falar do livro.
Acredito que, depois que estudamos pra concurso público, ficamos 'cri cris' com referências bibliográficas. E é importante saber quem está lhe recomendando que faça isso ou aquilo. E a impressão que o livro dá é que não há uma uniformidade na escolha daquelas referências. Esse seria um ponto muito importante de ser justificado a cada determinação de cálculo de VET, principalmente. Claro que, às vezes, dá para distinguir o porquê da escolha pelo quadro clínico apresentado pelo paciente, mas nem sempre. E acho que livros devem ser muito claros quanto às condutas defendidas.
No capítulo de doenças hipermetabólicas, a referência para determinação da taxa proteica de paciente adulto é baseada num  artigo que se refere a crianças queimadas. Esquisito, não? Fica parecendo que pegaram um dado da introdução do artigo, o que todo mundo sabe que é errado.
O livro é todo baseado em um esquema que se repete em todos os casos clínicos. A ideia é boa, mas acontece que, em alguns momentos, parece que houve um control c + control v da diagramação, mas na hora de colocar os dados daquele caso clínico, esqueceram de apagar os dados anteriores. Então, é uma chuva de formulas de Harris e Benedict com dois valores de TMB numa mesma fórmula.
Claro que um erro no livro não compromete seu objetivo, mas vários pequenos erros deixam a leitura pesada, porque a todo momento você volta para checar a informação.
Também há um desacordo entre o que é dieta normocalórica ou hipercalórica. Pacientes com determinação de VET com 30 kcal por kg de peso estão na conduta como dieta normocalórica. Ué, mas para mim 30 kcal por kg de peso era uma dieta hipercalórica!
A intenção do livro é boa, de mostrar um pouco de como seria para o profissional nutricionista determinar o diagnóstico nutricional e conduta em seus pacientes (por mais que este processo seja muito difícil de ser feito  na prática), mas ele é inevitavelmente confuso!
Boas leituras e bons estudos para todos!

domingo, 6 de janeiro de 2013

Coca Cola: as 123 calorias do marketing cafajeste

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A nova propaganda da Coca Cola tem como objetivo desfazer a ideia de que o refrigerante faz mal. Ele pode ser incluído (pelo que parece, diariamente) na sua alimentação se você tiver uma vida equilibrada e associada a uma atividade física.
Claro, porque se todos tomarmos Coca Cola seremos tão bonitos como os modelos selecionados para as propagandas. E super cool.
Ora, caramba, então não sei porque tem tantas faculdades de nutrição no mundo... E muito mesmo porque eu fiz esta porcaria de faculdade, até porque se a questão é somar calorias, qualquer pessoa que saiba ler e somar pode fazer sua própria dieta. OU NÃO?
Este absurdo começou há meses atrás, quando a Coca Cola se uniu à AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA) e promoveu uma exposição chamada "Emagrece, Brasil!", localizada no Congresso Nacional, que tinha esta mesma intenção: mostrar, a partir da dieta de pontos (!), que você pode comer de tudo se contar as calorias.
Veja bem, eu pensei que a Anvisa existia justamente para nos salvaguardar de alimentos que fazem mal à nossa saúde. Foi realizado um abaixo assinado na forma de uma Moção de repúdio à esta atividade, que foi passado no Congresso Mundial de Nutrição, que aconteceu em abril do ano passado.
Eu não estou aqui para falar de malefícios do refrigerante, não é este meu objetivo. Mas se você gostaria de relembrá-los ou conhecê-los, aí vão alguns links:

Refrigerante: conheça os verdadeiros males da bebida
Pesquisas divulgadas nos EUA reacendem polêmica sobre malefícios dos refrigerantes
Blog da Carol Daemon: Mamãe não passou açúcar em mim! 

O que quero deixar claro é que refrigerante não é ALIMENTO, refrigerante é PRODUTO! O alimento tem nutrientes, fornece substratos para que você possa manter-se saudável e executando suas atividades habituais. O produto citado tem água com açúcar/adoçante e química. Não é necessário realizar pesquisas inúmeras para concluir que esta mistura não presta para nada. Aliás, presta para deixar este ou aquele conglomerado mais rico, às custas da sua saúde.

Gostaria de fazer um paralelo de um lixo químico com um lixo biológico.
Matt Groening criou uma animação chamada Futurama, na qual um pacato jovem chamado Fry acaba fazendo uma viagem no tempo e, na virada do ano de 2000, ele se transporta para o ano 3000.
No futuro, há uma bebida viciante chamada Slurm. Todos amam esta bebida, mas não se sabe exatamente do que é feita.


Fry ganha uma viagem para conhecer a fábrica de Slurm e quando chega lá, acaba descobrindo uma grande farsa: a bebida na verdade é unicamente composta das eliminações fecais de uma Rainha Slurm.


No entanto, como todos são viciados na bebida, principalmente Fry, continuam tomando Slurm felizes e contentes, mesmo depois de saber que estão bebendo fezes.

Moral da história: muito cuidado com o que você come.

Eu li: O direito fundamental à alimentação, de Mérces Nunes

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Comprei este livro na Semana de Saúde Coletiva da UFRJ, porque o título me chamou à atenção. Dei uma folheada, e percebi que ele contextualizava o assunto com o conceito de saúde e sua operacionalização como sistema de saúde.
Depois é que fui perceber que este era um livro focado para o Biodireito (isto está escrito na capa, mas sou uma pessoa levemente distraída). E isso acabou sendo bastante produtivo para a discussão dos temas, pois é sempre estudar um tema sob diferentes enfoques.
É claro que nas partes em que são enfocados conceituações específicas do Direito eu dei uma viajada, mas algo pude entender.
Obviamente, o texto também percorre o conceito de segurança alimentar. Mais do que quantidade, refere-se à contínua disponibilidade de alimentos em quantidade e qualidade adequados. E sabemos muito bem que os alimentos que nos são ofertados incorrem em diversos problemas quanto à sua qualidade.
Mérces mostra o quanto a legislação tem falhas que proporcionam a liberação de produtos com qualidade ruim para o consumidor. Além disso, temos as contaminação químicas e biológicas nos processamentos tecnológicos, agrotóxicos e transgenia, uso de substâncias nocivas de forma deliberada pela indústria, erros em acondicionamento dos alimentos, dentre outros. A fiscalização dos alimentos em nosso país é precária.
Na seção do livro que se detém a explorar os nutrientes, alguns errinhos aparecem, como em nomes de vitaminas que estão equivocados, mas coisa muito pouca frente à discussão que o livro se propõe a suscitar.
Acredito que o livro traz duas importantes contribuições. A primeira delas diz respeito à sua discussão sobre o poder das empresas transnacionais, colocando o termo gigantes genéticos para descrevê-las. Citando a autora: "Essas empresas transnacionais têm por objetivo manipular, controlar, patentear e lucrar com a vida".
Isto é fundamental para se compreender o poder que envolve estas empresas e, primordialmente, o que envolve as parcerias público-privadas, tão comuns quanto repugnantes. Olha nas mãos de quem está a VIDA?
Prestem atenção, estas empresas não fazem mais só produtos. Elas desenvolvem pesquisas de melhoramento, manipulação de espécies para obtenção de características específicas nos alimentos, manipulando, também as descobertas científicas.
A segunda contribuição é uma proposta feita pela autora. Discute-se no livro a ineficiência de uma rotulagem nutricional padrão, afinal os termos técnicos tratados não são de fácil domínio pela população. Ela defende a colocação de advertências sobre os riscos à saúde implicados no consumo daquele alimento, semelhante ao que é feito na propaganda de cigarros. Ou seja, num alimento que possui gordura trans (sorvetes, biscoitos, panetones, biscoitos doces e salgados, entre outros) deveria trazer um anúncio assim: "consumir gordura trans causa gordura visceral (sic), aumentando o risco de infarto e derrame cerebral".
É claro que uma proposta dessas, neste momento em que estamos vivendo, não passaria de qualquer modo. O lobby das empresas não permitiria de maneira alguma. Mas não devemos perder a esperança, porque a advertência em cigarros e a restrição de sua publicidade também passou por este processo de ser impossível. E vejamos hoje. Agora, se esta restrição foi suficiente para reduzir efetivamente seu consumo.... Aí são outros quinhentos.
Gostaria também de fazer uma conexão entre temas similares. Em outro momento do texto, o livro deve que os alimentos com comprovação de efeitos deletérios à saúde sejam banidos da indústria. Esta colocação é pertinente, porém os estudos científicos muitas vezes não são conclusivos de maneira enfática, ou seja, um estudo somente não pode nortear uma decisão de tamanha amplitude. Do mesmo modo, não sabemos o quanto a indústria barra ou manipula as pesquisas que mostrariam a verdade de toda essa porcaria que a gente vem comendo. Logo, em seu texto a autora recomenda a retirada do mercado de produtos contendo aspartame e gordura trans.
E com relação à gordura trans, neste mês de dezembro foi colocado um artigo que trata justamente disto, desta retirada da gordura trans dos alimentos industrializados, tendo em vista que ela foi 'criada' pela indústria e mostrou malefícios importantes para a saúde cardiovascular, primordialmente. Clique aqui para ler o artigo na íntegra.
"O direito fundamental à alimentação" é uma boa aquisição para os que buscam refletir sobre alimentação de maneira ampla, buscando os elementos que mais contribuem para as nossas escolhas alimentares na atualidade.
 
  

domingo, 30 de dezembro de 2012

Eu li: Terapia Intensiva - Nutrição

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O livro Terapia Intensiva - Nutrição de Elias Knobel (2005) tem um formato bem objetivo para consultas rápidas, sendo interessante para um auxílio para a tomada de decisões na prática clínica.


O livro foi editado em 2005, mas tem a maioria das referências anteriores a 2000, o que considero um ponto negativo. Isto influencia em algumas condutas, que hoje sabemos não serem as mais adequadas, como a restrição proteica em pacientes com encefalopatia hepática avançada.
Ele, na verdade, é um manual de condutas dietoterápicas do Hospital Israelita Albert Eistein, visto que grande parte de seus colaboradores são profissionais desta instituição. Logo, muitas coisas estão adaptadas à realidade do hospital.
Não sei se foi o Albert Eistein que criou isto, mas nele consta como tipo de consistência dieta leve. Bom... isso sempre me pareceu uma expressão muito indefinida e vaga, e pensei que tinha saído da imaginação dos médicos... Pois é, agora vi que existe a dieta leve, institucionalizada, como parte do cardápio de um hospital.
Eu vejo as coisas de maneira conservadora, e acredito que não há necessidade desta consistência. Se ela realmente fosse necessária, minha professora de técnica dietética teria me ensinado esta denominação.
Ora, o que o livro quer dizer é que a dieta leve é a dieta pastosa, e a dieta pastosa é uma dieta liquidificada.
Sou contra esta hiperfragmentação de dietas. Isto só serve para que as empresas terceirizadas ganhem mais com diferentes tipos de dietas oferecidas.
Tirando esta parte do livro, ele é livro satisfatório ao que se propõe. Destaco os capítulos de trauma, pacientes queimados e imunonutrição, foram os melhores do livro, na minha opinião.
Para quem trabalha com nutrição clínica no âmbito hospitalar, pode ser uma boa opção de aquisição, por se tratar de uma realidade mais brasileira. Deixa um pouco a desejar na avaliação nutricional, mas pode ser uma consulta viável na terapia nutricional de diferentes patologias.

domingo, 13 de maio de 2012

World Nutrition Rio2012: mobilização

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Depois da plenária, abre-se o leque de opções para a escolha de diversos assuntos no tema da nutrição e saúde coletiva. E a cada dia que passava, ia ficando mais difícil escolher o melhor tema.
"Como tornar efetivas as organizações de interesse público em alimentação e nutrição" foi um simpósio elaborado com o objetivo de repartir experiências interessantes de intervenções dessas organizações nas políticas públicas. 
Kelly Brownell, do Yale Rudd Center For Food Policy and Obesity, realiza uma palestra baseada no conceito de "ciência estratégica". Sabemos que a serventia da pesquisa é a descoberta de inovações e alternativas que proporcionem mudanças positivas na vida das pessoas. No entanto, na vida real, isso é o que menos acontece. Geralmente, os pesquisadores têm como grande objetivo uma publicação científica. Na ciência estratégica, o que se busca é a repercussão e o impacto do que é verificado através das pesquisas. Logo, o resultado de uma pesquisa deve atuar na opinião pública, no governo e na legislação aplicada por ele, na indústria e na imprensa. 
O site da organização é bem legal, possui diversas publicações disponíveis, mas tenho que destacar esta notícia que li aleatoriamente. A notícia comenta que a PepsiCo. efetua desconto de 50 dólares no salário dos funcionários que fumam ou que tem doenças relacionadas à obesidade. Eu acho que a Pepsi não se perguntou primeiramente o que eles produzem e o que eles já descontam na saúde de milhões e milhões de consumidores. 
Aproveitando que achei aqui este tópico, também vou colocar este link que leva ao pledge brasileiro. Pledge é um acordo voluntário de indústria e publicidade que indica restrições na propaganda de determinados produtos nocivos à saúde das pessoas, especialmente das crianças, que são muito influenciadas por estas estratégias e, portanto, as mais prejudicadas. Só que um pledge é algo voluntário, ou seja, não credite que a empresa está cumprindo estes acordos, é pura fachada para se dizer de bom moço, e pra dizer que tem a tal 'responsabilidade social'. 
E o marketing é a lama (ou a alma) do negócio. O site Cereal FACTS observou que as empresas fazem propagandas mais massivas dos produtos com o pior perfil nutricional. Aliás, o site fornece um apanhado muito interessante de informações sobre os diversos cereais que são comercializados nos Estados Unidos, com fichas que discriminam informações nutricionais importantes de serem observadas, tais como teor de açúcares simples e sódio, além de informações sobre propaganda na TV, disponibilidade nos mercados, presença de brinquedos ou associação a imagens nas embalagens desses produtos. Aqui segue um link de um artigo da Pediatrics que foi mostrado na palestra, que fala um pouco dessa escolha das crianças pelos cereais, e o que foi observado é que crianças que consomem cereais com maior conteúdo de açúcar, consomem menos frutas em acompanhamento a este cereal e o consomem em maior quantidade.

Patti Rundall traz como tema a mobilização no tema da nutrição materno-infantil, fortalecendo o incentivo ao aleitamento materno e mostrando os riscos implicados na alimentação artificial. Representando a Rede Internacional de Ação em Alimentação Infantil (IBFAN) e a Baby Milk Action, Patti discute principalmente o interesse comercial que envolve o mercado de fórmulas infantis, encabeçado pela Nestlé.
O leite artificial é divulgado desde 1867 por esta empresa, e desde então várias estratégias foram pensadas para fazer a população acreditar que o leite de vaca em pó é melhor que o leite humano. Antes da crianção dos códigos de comercialização de substitutos do leite materno, a indústria distribuía suas amostras grátis em maternidades (prática muito comum no Brasil até a década de 70), e chegaram a patrocinar clínicas, realizando a separação proposital das mães dos recém nascidos.
A Nestlé ganha 31 bilhões de reais por ano com fórmulas infantis. Assim, fica claro entender quem realmente ganha com a alimentação artificial. Logo, é uma produção muito lucrativa, sendo dez vezes mais caro que o leite em pó convencional.
Vemos que, mesmo com a existência de códigos de limitação do marketing destes produtos, muitos ainda infringem estes acordos. Vejam esta foto de uma propaganda de leite artificial, que diz 'Qual é o melhor leite depois do leite da Kate?' (o cara bolado é o marido da Patti, haha!).
A autorregulamentação, tal como já foi discutido, não é saída viável para este problema, pois não diminui o impacto do marketing sobre o público consumidor. E, infelizmente, temos que suspeitar até daquilo que foi feito para nos proteger: metade dos membros do Codex Alimentarius são representantes de empresas. Então, a que interesse estão atendendo?
A Patti foi uma das grandes figuras desse congresso, com muita atitude e vontade de transmitir este espírito reacionário nos participantes.
Adorei a ideia de boicote à Nestlé, porém, vamos ser sinceros. É difícil fazer boicote a uma empresa que tem diversas submarcas, e que nem sempre está expresso Nestlé como marca principal. É um conglomerado, um monstro que nos engole e que monopoliza nossas escolhas alimentares. Mas é um tema a se refletir...

Graham MaGregor traz a experiência da Ação Mundial sobre Sal e Saúde - WASH (@WASHSALT) no incentivo à redução dos níveis de sódio nos alimentos industrializados através de uma estratégica de redução lenta, de 10% ao ano, que não é percebida pelos consumidores. Para isso, é importante que este monitoramento seja feito independentemente das empresas. Graham traz um dado importante: 5 milhões de investimentos em redução de sal pelo governo tem um impacto de redução de 1 bilhão de gastos em saúde pública. Não há dúvidas que a promoção da saúde é um caminho também para a racionalização dos gastos públicos. Todo gestor sabe disso em teoria, mas são muito poucos os que praticam.

No próximo post, mais informações sobre legislação da propaganda.

domingo, 6 de maio de 2012

World Nutrition Rio2012: desafios

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Iniciando os trabalhos com a plenária de abertura "Desafios do século 21 para a Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva", os palestrantes eram convidados a fazer breves observações sobre o tema, de forma a nos fazer refletir sobre quais aspectos deviam ser observados nos próximos dias de eventos.
Eu nunca vi isso acontecer, um evento ter começo, meio e fim. Na maioria das vezes, eles só tem um conteúdo agregado, e só.
Abordando de forma bem resumida as inserções dos palestrantes, e recorrendo às minhas anotações, vou tentar expressar mais ou menos o que foi discutido. A princípio, já peço desculpas se por um acaso a minha interpretação foi distorcida, espero que isso não ocorra.

Marion Nestle é um exemplo do que quero ser quando crescer. Uma pessoa de fala decidida e cheia de propriedade e, mais do que isso, uma pessoa que leva o ouvinte pra frente, com um discurso encorajador. Foi uma honra conhecê-la através deste congresso.
Ela destacou a relação dicotômica que há entre desnutrição e obesidade no panorama mundial, e o quanto isso está relacionado, em termos de intervenção, ao confrontamento do ambiente, com vista a fortalecer a educação dos indivíduos. Ou seja, oferecer aos cidadãos do mundo um ambiente que propicie e facilite a tomada de decisões e escolhas mais saudáveis. Porém, é importante que o nutricionista, sendo o profissional mais interessado nesta transformação ambiental, tenha em mente que este processo envolve o enfrentamento de forças políticas e empresariais que levam diretamente à disputa de poder. O modelo alimentar vigente no planeta atualmente beneficia muitos bolsos. Tem muita gente ganhando dinheiro com as doenças da nossa população, e elas não estão dispostas a perder esta galinha dos ovos de ouro.
Para saber mais do trabalho da Marion, você pode acessar o twitter dela (@Marionnestle) e também o seu site, clicando aqui.

Reggie Annan traz uma contribuição muito importante para o debate. Representando uma das universidades de Gana, ele traz a vivência de um realidade na qual os desafios são muito mais profundos. Na verdade, a África acaba sendo o depósito de todo o desequilíbrio desse sistema alimentar, onde ainda persistem problemas graves, tais como a relação da desnutrição com a infecção pelo HIV, o que leva a um desfecho muito mais desfavorável da doença. Questões ambientais, econômicas, ambientais, culturais, relações de poder... Enfim.
Há muitas políticas desenvolvidas em nível macro, e muitas propostas feitas ao nível das agências relacionadas às Nações Unidas, porém Reggie destacou a ausência de implementação de políticas locais nos vários países da África. A observação das peculiaridades locais, como todos sabemos, é fundamental para fazer qualquer ideia virar realidade.
A nutrição também não é vista como ciência, na mesma extensão que outras áreas como a medicina, e deste modo não é vista como importância. logo, a prioridade para políticas de alimentação e nutrição fica sempre em segundo plano. Por falar nisso, indico um texto incrível que fala sobre a febre de suplementação de vitamina A em países pobres. A artificialização da alimentos e a mera medicalização dos problemas nutricionais é discutida com propriedade neste artigo intitulado The Great Vitamin A fiasco, de Michael Latham.
Os programas de alimentação e nutrição desenvolvidos na África geralmente são levados a cabo com financiamento externo, que dá uma vulnerabilidade muito grande aos mesmos. Acaba o financiamento, acaba o projeto. Logo, são projetos não sustentáveis. Segundo Reggie, portanto, é importante fortalecer o financiamento interno dos projetos desenvolvidos. Algo complicado se a nutrição não é vista com importância, e se os financiamentos externos sempre dizem respeito a um interesse econômico que está obscuro na ajuda de um determinado órgão público ou privado. Voltando a Vitamina A, não há evidências que comprovem que a suplementação em grande escala alcance redução na morbimortalidade de crianças com menos de 5 anos. No entanto, há evidências de que há investimentos pesados de órgãos públicos de países desenvolvidos e de que uma empresa farmacêutica ganha bilhões de dólares com isso.

Philip James já virou ídolo! Uma das participações mais presentes e expressivas de todo o congresso, com toda a certeza! Abaixo um vídeo dele:



Philip salientou na plenária de abertura, dentre outros temas, a importância da abordagem integrada dos problemas nutricionais, tendo como base a agenda única de nutrição.
A mudança no setor alimentar é mais que necessária, em especial na regulação do marketing, e o que ele citou como neuromarketing, informando que o cérebro mantém-se em formação até os 25 anos. Logo, durante 25 anos somos bombardeados por propagandas que nos implantam diversos pensamentos do que é melhor pra nós. Não há nem para mensurar o perigo envolvido nas consequências dessa dominação consumista.
Além disso, as mudanças climáticas provocam mudanças diretas nos sistemas alimentares, e isto só induz ao um aumento das desigualdades sociais entre os povos.

Renato Maluf é economista, professor da UFRRJ, que se colocou justamente neste papel de ser um palestrante fora da área da saúde, para agregar a sua visão aos problemas nutricionais. Também gostei muito de todas as suas colocações ao longo das palestras em que ele estava participando.
Segundo Renato, a crise alimentar se insere no contexto de uma crise sistêmica envolvendo a atividade econômica, o impacto ambiental e as reservas energéticas. Vivemos hoje uma homogeneização de hábitos, em contraposição à diversidade alimentar. Com ela, perde-se em biodiversidade como um todo.
Como os determinantes de um sistema alimentar são os mais diversos possíveis, atingindo os diversos setores de atuação dos governos, é necessário que qualquer intervenção que busque a segurança alimentar e nutricional, baseada no direito humano à alimentação adequada, seja baseada em ações que busquem a intersetorialidade. Esse é um grande desafio, pois os interesses são os mais diferenciados, dependendo do órgão que está envolvido nesta ou naquela política. Associa-se a isso a ausência ca pital humano preparado para levar este tipo de negociação para a frente. vemos que o nutricionista não sai capacitado para este tipo de diálogo, é um profissional que não se pergunta qual o caminho percorrido pela comida que seus usuários compram no supermercado. Não questionam o modelo econômico como fatos impeditivo do alcance da utópica (opinião minha) da Segurança Alimentar e Nutricional.
Outro desafio é a desigualdade na renda, reconhecida por Maluf como o principal desafio para as políticas de alimentação e nutrição no mundo.
O reconhecimento do sistema alimentar local como o melhor caminho para a conquista de uma economia e abastecimento sustentáveis esbarra no poder político implicado neste processo, associado ao controle das influências externas, em especial das grandes transnacionais, que tem passe livre para entrada nos países em desenvolvimento.

Como visto, a plenária de abertura deu aos ouvintes diversas possibilidades de como aplicar suas reflexões durante os simpósios, debates e plenárias propostas. No próximo post, falo sobre as organizações de interesse público interferindo nas políticas governamentais, com a adorável Patti Rundall, de quem também virei fã! No post, vocês vão entender o porquê!