A falta de organização do tempo não me permitiu continuar a postar periodicamente, mas hoje aconteceu algo que senti a necessidade de compartilhar.
Dentro de um renomado evento de terapia nutricional, estava em uma discussão de caso clínico, que tratava de um CA de esôfago, e em um dado momento a discussão se concentrou na via de administração de dieta no pós operatório imediato: via oral, uma sonda posicionada na cirurgia ou um acesso mais fixo, uma jeunostomia?
A maioria defendeu a sonda, por conta da dificuldade de técnica na realização de jejunostomia (e não sejamos ingênuos, uma sonda enteral custa 20 reais, uma jejuno custa quanto???). No entanto, a primeira coisa que acontece com os pacientes é... a retirada da sonda. Eles se sentem sufocados, deliram, tem pesadelos de noite... e arrancam o nosso tão estimado acesso para não deixá-los sem comer.
Até que um médico dá a solução fantástica para a sonda não sair: costurar a sonda no nariz do paciente.
Segundo ele, era justamente pelo perfil de delirium e agitação que os pacientes podem fazer, o que dificultaria a retirada da sonda.
Eu pensei: "ótimo, o paciente morre de fome, sente-se invadido de todas as formas possíveis, corre o risco de sair passando nas anastomoses e de quebra arranca um pedaço do nariz!!!"
Quando se vai pensar menos em custos, riscos relativos, p valores... e mais em humanização, dignidade, respeito?
A realidade da saúde pública brasileira é cruel. Vivencio o seu caos há dois anos, e não consigo entender como as pessoas podem pensar em condutas tão retrógradas para "resolver o seu problema". Pensava que o problema era o bem do paciente. Pensei que a equipe de um hospital está voltada para isso, para devolver o mínimo de dignidade e saúde para os seres humanos.
Estes são os seres que trabalham no seu automático, e não percebem com quem estão lidando, com que vidas estão jogando.
Vemos todos os dias pacientes morrendo por falta de comida e de tratamento. A fome não acabou, e sinto informar, ela não está só na África. Ela está aqui, bem do nosso lado.
Na década de 50, soldados morriam de ataques cardíacos após retornarem de guerras. Isso acontecia porque eles não se alimentavam por meses, e quando voltaram a comer, desenvolviam a síndrome hoje conhecida como síndrome de realimentação.
Mais de 60 anos depois, temos observado a Síndrome em muitos dos nossos pacientes. É fome do homem que passa 5 meses tomando mingau em casa, pois tem uma tumor de esôfago e não consegue ser atendido em um serviço de saúde.
Para os que se inspiram com o Médico sem Fronteiras e outras belas iniciativas de auxiliar populações em situações dramáticas, sugiro dar uma passadinha antes no Souza Aguiar ou no Getúlio Vargas... É bem parecido.
Tudo isso me lembrou uma música do Tim que eu adoro...
http://www.youtube.com/watch?v=Ck5g_S-G-YI
"Em Guiné Bissau não está legal, muito menos na Rodésia..."
Aqui no Brasil também não. É só olhar ao redor com atenção e você perceberá.
Dentro de um renomado evento de terapia nutricional, estava em uma discussão de caso clínico, que tratava de um CA de esôfago, e em um dado momento a discussão se concentrou na via de administração de dieta no pós operatório imediato: via oral, uma sonda posicionada na cirurgia ou um acesso mais fixo, uma jeunostomia?
A maioria defendeu a sonda, por conta da dificuldade de técnica na realização de jejunostomia (e não sejamos ingênuos, uma sonda enteral custa 20 reais, uma jejuno custa quanto???). No entanto, a primeira coisa que acontece com os pacientes é... a retirada da sonda. Eles se sentem sufocados, deliram, tem pesadelos de noite... e arrancam o nosso tão estimado acesso para não deixá-los sem comer.
Até que um médico dá a solução fantástica para a sonda não sair: costurar a sonda no nariz do paciente.
Segundo ele, era justamente pelo perfil de delirium e agitação que os pacientes podem fazer, o que dificultaria a retirada da sonda.
Eu pensei: "ótimo, o paciente morre de fome, sente-se invadido de todas as formas possíveis, corre o risco de sair passando nas anastomoses e de quebra arranca um pedaço do nariz!!!"
Quando se vai pensar menos em custos, riscos relativos, p valores... e mais em humanização, dignidade, respeito?
A realidade da saúde pública brasileira é cruel. Vivencio o seu caos há dois anos, e não consigo entender como as pessoas podem pensar em condutas tão retrógradas para "resolver o seu problema". Pensava que o problema era o bem do paciente. Pensei que a equipe de um hospital está voltada para isso, para devolver o mínimo de dignidade e saúde para os seres humanos.
Estes são os seres que trabalham no seu automático, e não percebem com quem estão lidando, com que vidas estão jogando.
Vemos todos os dias pacientes morrendo por falta de comida e de tratamento. A fome não acabou, e sinto informar, ela não está só na África. Ela está aqui, bem do nosso lado.
Na década de 50, soldados morriam de ataques cardíacos após retornarem de guerras. Isso acontecia porque eles não se alimentavam por meses, e quando voltaram a comer, desenvolviam a síndrome hoje conhecida como síndrome de realimentação.
Mais de 60 anos depois, temos observado a Síndrome em muitos dos nossos pacientes. É fome do homem que passa 5 meses tomando mingau em casa, pois tem uma tumor de esôfago e não consegue ser atendido em um serviço de saúde.
Para os que se inspiram com o Médico sem Fronteiras e outras belas iniciativas de auxiliar populações em situações dramáticas, sugiro dar uma passadinha antes no Souza Aguiar ou no Getúlio Vargas... É bem parecido.
Tudo isso me lembrou uma música do Tim que eu adoro...
http://www.youtube.com/watch?v=Ck5g_S-G-YI
"Em Guiné Bissau não está legal, muito menos na Rodésia..."
Aqui no Brasil também não. É só olhar ao redor com atenção e você perceberá.